segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pinceladas multiculturais

McLaren (2000) nos instiga a repensar a forma patogênica que os meios de comunicação de massa vêm tratando da questão da diversidade, ao inferiorizar uma cultura em detrimento da outra. Se formos mais a fundo averiguaremos que a diversidade social, cultural, religiosa, sexual, étnica dentre outras é relativamente ampla, aqui deteremo-nos a dois quesitos essenciais: a diversidade étnica e o descaso social, sendo que uma complementa e constitui-se transpassada pela outra, falar em diferenças é atentar para o mundo multicultural que vivemos e o ato de inferiorizar por causa dela é uma forma discriminatória. 
Nas palavras do autor supracitado, temos o seguinte esclarecimento:
[...] Em nossa cultura pós-moderna predatória e hiperfragmentada, a democracia é mantida através do poder de controlar a consciência e de semiotizar e disciplinar corpos através do mapeamento e manipulação de sons, imagens e informações e de forçar a identidade a refugiar-se em formas de subjetividade crescentemente experienciadas como isolada e separadas de contextos sociais maiores. Agora, a ideia de cidadania democrática tem se tornado sinônimo de cidadão e cidadã consumidores e privados e da crescente subalternização do Outro. [...] (McLaren, 2000, p. 106).
            Será que somos vistos apenas como aquele que produz para consumir? Ditos iguais perante a lei, porém tratados de maneiras discriminatórias em virtude de gênero, classe, raça ou opção sexual? Sim, vivemos numa sociedade excludente e manipulada de forma irrefletida por quem detêm o poder, é plausível o estraçalhamento de uma cultura ao analtecer outra. Vejamos o caso do racismo, somente há esta questão em sociedades que se diferenciam por raças, a supremacia de uma cultura sobre a outra é instigada por mãos humanas que procuram enaltecer-se diante do outro, sendo que a criação das subjetividades se dá de maneira sutil, através de imagens em livros, revistas e jornais; nos mitos culturais ou piadas “inocentes” com alto teor discriminatório, segregando uma cultura ao destacar apenas seus problemas como o alcoolismo, as drogas, a prostituição e a violência, subalternizando sua música, dança, produção científica e rituais religiosos.
            A segregação é uma algema que prende o sujeito perfeito de suas condições físicas a crença da incapacidade, a desvalorização de seus princípios, a perdição de suas crenças, e a busca irrefletida de um padrão de vida capitalista, consumista e excludente.
            McLaren fala do multiculturalismo critico ao destacar a necessidade de se pensar a diferença de duas maneiras: uma que é construída e a outra engajada. O multiculturalismo conservador é aquele que destaca as pessoas negras como escravos e escravas inferiorizados perante a supremacia branca, ou tornam sujeitos de cor diferente como seres primários do desenvolvimento humano, nas palavras do autor: [...] As pessoas africanas eram comparadas, pela sociedade branca, aos animais selvagens ou às crianças cantantes e dançantes de corações dóceis. [...] (p. 111). Por mais doloroso que pareça, incoerente e preconceituoso, os africanos estão sendo colocados aos pés da escada humana da civilização, vivemos num tempo de barbárie.
            O multiculturalismo conservador espera que seus adeptos dispam-se de seus princípios sócio-étnico e tornem-se colaborados e crentes de uma ideologia neocolonial branca e norte-americana.
     Por outro lado, há o multiculturalismo humanista liberal, que preza uma igualdade natural entre os sujeitos sociais, os seres humanos. Prega a igualdade de raças ao instituir que todos têm os mesmos direitos e potencialidades para competir em uma sociedade capitalista, mas será que de fato isto ocorre? Ou ainda estamos manipulando uma realidade não existencial, em nome de um olhar fraudulento diante de nossa sociedade? É preciso investigar estas premissas, de fato sabemos que as oportunidades são diferenciadas e limitadas, sendo inacessível a grande massa populacional, independente de sua raça, porém agravadas em detrimento desta. Reis (1993) destaca que “enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no País” (João José Reis, 1993, p. 189).
            Dando continuidade ao pensamento multicultural, permeado pelos escritos de McLaren, o multiculturalismo liberal de esquerda trata a diferença como uma “essência” que existe independente de sua historicidade, cultura e poder. Sugere que a ênfase na igualdade de raças abafa as diferenças culturais importantes, que são responsáveis pelos comportamentos, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais diferentes (McLaren, 2000, p. 120).
            Neste contexto há a desintegração política e social em detrimento da história pessoal de cada um, dilui-se a possibilidade da análise crítica do discurso em detrimento do eu, histórico e cultural momentâneo, sem conhecer e valer-se da historicidade de cada povo, a identidade está sendo construída através de um jogo de relações que se deslocam e se conflitam.
            Aqui, deparamo-nos com o multiculturalismo crítico e de resistência, ou seja, aquele desassociado de uma agenda política de transformação, constituindo-se numa nova faceta de acomodação e assimilação da ordem social superior.
[...] O multiculturalismo de resistência não compreende a diversidade como uma meta, mas argumenta que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social. Ele deve estar atento à noção de “diferença”. Diferença é sempre um produto da história, cultura, poder e ideologia. A diferença ocorre entre dois grupos e entre muitos grupos e deve ser compreendida em termos das especificidades de sua produção. [...] (McLaren, 2000, pp. 123,124).
            Conhecimentos, subjetividades e prática sociais são forjadas dentro de esferas culturais inquestionáveis e assimétricas, trata-se da normalização da diferença, tornando-a banalizada e perpetuando a discriminação de maneira socialmente aceitável.
            Neste emaranhado discursivo, respaldado em uma linguagem ideológica e culturalmente aceitável de maneira acrítica, encontramo-nos diante do multiculturalismo crítico e as políticas de significação, tendo clareza de que toda experiência pressupõe significados, que são descritos através da linguagem. O emaranhado linguístico cria padrões de ação e interpretação, as pessoas e suas ações são significadas a partir do significado atribuído a descrição da experiência, este emaranhado linguístico define de maneira a enaltecer ou subjugar culturas. Diferenças são criações históricas e culturais. Segundo McLaren o multiculturalismo crítico assume que “todas as representações são o resultado de lutas sociais sobre significantes e seus significados” (p. 132).
            Neste ínterim torna-se necessário reavaliar a forma que está sendo tratada a diferença, é imprescindível sair da virtualidade retórica e pensar este termo na prática e ação sócio-cultural, sem colocar uma venda e fingir que a diferença não existe necessitamos desvendar e tratar este conceito social de forma série e critica atentando para os problemas a ele veiculados. O mesmo ato faz-se necessário para contestar a supremacia branca, conhecer de maneira critica a cultura da branquidade como uma etnicidade emergente, para questioná-la e desmitificá-la como a única aceitável e perpetuada secularmente (McLaren, 2000).   

MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. 3ª Ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000 - (Coleção Prospectiva, v. 3).