sexta-feira, 7 de agosto de 2009

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

Muros? Quantos muros criamos dentro de nosso intelecto, psicologicamente somos construtores de muros, aprisionamos sonhos, ideias, deixamos tudo guardadinho entre paredes de concreto no nosso subconsciente. Queremos esconder nossa identidade, vivemos colocando e retirando máscaras, socialmente representamos inúmeros papéis, somos filhos, pais, mães, irmãos, professores, colegas, amigos, uma gama de papéis para uma única personalidade.
Aqui nos deparamos com o filme “Entre os muros da Escola”, uma sala de aula, alunos adolescentes, professores instigadores porém desestimulados e cansados com a organização escolar, tentam achar alternativas para mudar aquele modelo educacional, mas, conseguem?
Podemos relatar de antemão que aquela realidade retratada no filme se aproxima muito do cotidiano que temos aqui, vemos alunos desmotivados com o processo educativo pelo qual eles passam, professores em “colapso” nervoso, pois suas aulas não estão “rendendo bons frutos”, propostas pedagógicas atuais que prezam a interação e o diálogo mal conduzidas em que o foco central da aprendizagem distancia-se das efetivas aulas.
Alunos e professores são pessoas comuns, que se apresentam com suas prisões psicológicas, mostram somente o que o outro poderá ver, e isto muitas vezes causa rótulos, discriminações. Percebe-se que a tentativa de diálogo existe, mas nem sempre o que o professor fala é entendido pelo aluno e o mesmo ocorre invertendo-se os papéis.
Alunos e professores são humanos, com muros intelectuais, seus dilemas sociais, unidos em um mesmo ambiente a escola e o exato espaço das micro-relações - a sala de aula. O professor tem princípios e a sua fala não “atinge” os alunos, o exercício do diálogo não acontece democraticamente.
Ao trabalhar com um fragmento do livro O Diário de Anne Frank, valeu-se deste como um pretexto para fazer com que os alunos “quebrassem o gelo” e passassem a refletir sobre a sua própria historicidade.
Mas a questão que se põe em voga é “o professor não quer realmente saber quem são seus alunos e que não está interessado em saber da realidade de cada um”; acredito que foi uma tentativa para desarmá-los e transpor seus muros, para conhecê-los em sua humanidade, interessar-se por sua história contextualizando seus saberes. Mas ficou pairando no ar se o interesse do professor era real, pois, como uma aluna chega ao final de um ano letivo e afirma que não aprendeu nada, porque ela não entende! Ou ela não sabia ler e escrever? Qual era o problema? Que dilema se esconde por detrás de sua fala?
Por isto, detenho-me em um autorretrato lido: “Ninguém me conhece ao não ser EU!” – será que realmente nós nos conhecemos? As silhuetas presentes no fundo da sala de aula respondem esta pergunta, muitas cores, muitas linhas, muita abstração, os sentimentos estão em profunda transformação, ao meu ver, representam as angústias de cada um.
Tanto alunos quanto professores encontram-se em um dilema bipolar, não sabem como agir, tentam inovar mas avaliam e criam regras retrógradas, será que pontuar alunos “educados”, “gentis”, efetivamente muda a aprendizagem e o desenvolvimento da aula?
Bem, sempre está se buscando alternativas para melhorar o processo educativo, isto é fascinante, pois nada acontece por acaso, tudo é construção.
Será que nós não mascaramos nossas angústias, medos e nos criticamos arduamente quando falhamos? A educação escolar está sofrendo um processo nunca antes visto, existem muitos problemas que não apresentam solução. Parece que nos encontramos num círculo vicioso: se punir alunos melhora a disciplina em determinado momento, torna-os mais revoltados em outros? Se tornar a aula um processo apenas quantitativo e tudo é nota, onde fica a aprendizagem? Mas o que é significativo no contexto atual? Ainda estou buscando entender.

LEÕES E CORDEIROS

“Professores são vendedores de seus alunos para eles mesmos.” Uma afirmação que de antemão assusta, pensar no professor como vendedor, causa estranheza e espanto, o que certamente não deveria ocorrer, pois, a ação docente vende ideias, propostas, formas de pensar, ideologias. O professor, querendo ou não, influência pensamentos e atitudes, nem sempre o que se propõe a trabalhar é o que realmente se ensina e se aprende.
Ao unir três esferas de grande potencial social: governo, mídia e escola; foi possível realizar um diálogo de alto nível, mostrando como as relações são frágeis, o quanto uma envolve-se na ação da outra. Vejam bem as medidas governamentais justificam e evidenciam nossas ações, a mídia pode distorcer fatos, inverter noticias e agir de forma sensacionalista dando ênfase ao que mais lhe der audiência e, em contrapartida, temos a escola que também é uma formadora de opiniões, onde os alunos e professores necessariamente são bombardeados por esta gama de informações que transcorrem socialmente.
Vê-se o quanto à linha entre ética, bom senso e corrupção é tênue, são cordeiros que guiam leões, são sonhos e utopias desmantelados pelas injustiças e falta de oportunidade, a educação está em decadência e existem muitos problemas, se encontram muitos culpados; para amenizar as diferenças são abertas cotas para negros, hipossuficientes dentre outros nas universidades, temos o PROUNI que oportuniza o ingresso e exige que o aluno seja aprovado em todas as áreas, mas, e a qualidade também é garantida? Mesmo em cursos pagos sem pertencer às cotas, há qualidade?
Não sei, tenho muitas dúvidas quanto a isto, já vi muitos professores formados em universidades e faculdades de renome que não conseguem desenvolver um trabalho eficiente.
Vê-se que neste meio que mexe com sentimentos e emoções, onde se trabalha com o humano, tudo é instável, nada é garantido e muitas vezes como professores procuramos abordar determinados assuntos a partir de um texto e dentro deste os alunos encontram e enumeram muitos enfoques diferenciados dos quais nem havíamos percebidos e, certamente, saber lidar e aproveitar estas oportunidades gera aulas fecundas de ideias e opiniões, mas se torna difícil se não somos pesquisadores e questionadores contínuos.
De todos os filme sugeridos este foi o que mais me angustiou, e o qual tive mais dificuldades para analisar, talvez veja nele a representação de uma sociedade capitalista decadente em que o individualismo ultrapassa os “muros” do ser humano. Onde o comodismo destrutivo atrai muitos jovens sonhadores na expectativa de uma vida melhor? Em que as oportunidades são ínfimas a aqueles provenientes das classes subalternas; para aqueles que a oportunidade vem do berço, não as consideram significativas.
Quantas vezes o movimento midiático nos impulsionou a acreditar que a guerra era a única alternativa? E tantos cordeiros se escondem por detrás de fachadas, títulos e currículos repletos de “A” e, no que compele a vida não compreendem o social, se asfixiam em teorias e táticas, mas esquecem de olhar que há um mundo, falível, problemático, decadente?
Não podemos nos resignar, abaixar a cabeça e tudo aceitar. Precisamos, certamente, ultrapassar os muros de nossa própria consciência para então, mudar nossas atitudes em sociedade. O filme não tem uma reposta, ele simplesmente nos convida a pensar e repensar neste modelo social e educacional vigente.
Pensar numa relação entre mídia, política, estética e ética dentro deste contexto, é transpor um olhar para o que procura-se vender como produto certo, correto e única opção, escondendo o verdadeiro jogo de poder que se estabelece por detrás disto.

NASCIDOS EM BORDÉIS

A arte geralmente é produzida por artistas que criaram seu nome, apresentam uma forma própria para representar o social, o filme/documentário “Nascidos em Bordéis”, muda um pouco este foco, os artistas são as crianças que delegam um olhar de sensibilidade para a sua realidade, cada um usa uma lente para se ver.
Uma das mais difíceis ações humanas é aprender a ver, despir-se dos preconceitos, retirar regras e padrões culturais e morais que tangem a nossa visão. Muitas vezes olhamos e não enxergamos. Nesta era de instabilidades e pós-modernidade o stress acarreta tantas preocupações que inibem a sensibilidade tornando-a mascarada e aprisionada em concepções pré-determinadas.
Mas é possível ensinar a olhar? Acredito que é possível aprender a ver despindo-se de pré-conceitos e regras, tirando à lógica midiática que define nossos gostos, é preciso procurar tornar o olhar “cru”.
Mas nossa intangível personalidade cria regras sobre o que gostamos, o que consideramos belo, e este “gostar” constrói-se nas três esferas: pessoal, social e cultural. A partir destas percepções acabamos considerando algo belo, bonito. Cabe pensar, artisticamente o que se define sobre belo? Não sei, espero aprender de maneira calma e paulatina.
Voltando ao valor antropológico que o filme traz, ver o diferente nos incomoda, os padrões culturais que nos fazem criar pré-conceitos estão tão arraigados a nossa concepção de vida, de escola, que são difundidos ano após ano, que ao nos depararmos com uma cultura bastante diferente, onde os recursos materiais são ínfimos, a vida transcorre de forma quase pré-determinada, onde muitos não possuem quase nada, nem acesso, nem possibilidades para sair de onde estão. Isto nos instiga a sair da esfera do comodismo, desta zona de conforto e correr atrás da transformação, mudar não basta é preciso refletir sobre as concepções que temos, ir além, desconstruir para construir.
A vida social desenvolve-se a partir de modelos vigentes e transformar as concepções que as pessoas possuem é ousado, pois nem todo mundo está disposto a refletir sobre sua vida e suas influências sociais com outros olhos.
Acredito que a fotógrafa queria ajudar aquelas crianças a perceberem sua realidade a partir de uma outra ótica, retratando o que consideravam importante para elas; ao ver a sujeira, as condições de vida precária, um menino se deu por conta da “imundice” em que viviam comparando-a com outros povos.
Ver o problema, refletir sobre ele, tentar mudar sua vida, buscar alternativas de se encontrar socialmente delega muita ousadia, pois somos, e aquelas crianças são, enquadradas em padrões por morarem em determinado lugar, ou por seus pais terem uma ou outra profissão, muitas vezes, não importa quem somos ou que estamos buscando o que vale é o que a sociedade já determinou.
Num olhar artístico, retratar uma sociedade excluída e deixada à margem; através de um olhar infantil repleto de sensibilidade, emoção, sonhos e desejos, é tentar ampliar o horizonte que estas crianças vivem e mostrar ao mundo que comodismo e assistencialismo não ajudam para mudar esta realidade é preciso trabalhar numa esfera mais complexa e dura agir e sensibilizar. A cada foto havia uma razão subjetiva ao fotógrafo e outra ao observador. Ir a fundo dos problemas sociais é acreditar que a transformação ainda é possível, mesmo que difícil e vagarosa.
Precisamos parar com a lógica de encontrar culpados para os problemas. Se olharmos para as nossas próprias atitudes e tentarmos mudar este paradigma da acomodação, não precisamos de culpados, necessitamos sim, de colaboradores reais.
Dar a oportunidade, mesmo que seja por um tempo ínfimo e uma quantidade mínima de crianças, já é um começo, muitas leis são criadas, sancionadas e impressas, mas não são cumpridas. Que direitos humanos são esses? Que crianças não tem acesso à educação? Precisam trabalhar sem questionar? Que se submetem ao que os modelos sociais definem? Se você é pobre, negro, mulher, homossexual, não tem os mesmos direitos que outros de classe média, brancos, homens? Acredito que houve uma inversão de papéis e valores sociais bastante complexa, onde se retirou a responsabilidade de quem é e passou-se a julgar que tudo é problema do Estado, das políticas públicas. A exclusão continua, porém mascarar com uma nova roupagem não adiante, o problema está aí e ninguém quer se responsabilizar.
Nós, educadores utópicos, como Zana a fotógrafa, queremos transformar estas realidades. Mas será que realmente estamos tendo nosso papel político, temos voz e vez em nossa ação crítica, estamos sendo subversivos em favor de uma mudança qualitativa, ou apenas estamos vestindo nova roupagem com belas palavras e poucas ações?
Neste filme vê-se a produção de um autorretrato como forma de autoconsciência, olhar para si é difícil, pois neste movimento se percebe o quão é belo viver, como existem coisas maravilhosas ao nosso redor tão próximas e ao mesmo tempo tão longe para ser alcançadas, historicamente as injustiças mantiveram-se e mantêm-se. Este é o mesmo movimento que fazemos ao nos pensar como professores do século XXI.

O SORRISO DE MONALISA

Padrões, tudo é ou deve ser padronizado? A beleza feminina foi padronizada, a educação foi regrada a partir de padrões comuns, as formas de ação social são padronizadas, de certa forma até ideias e pensamentos entram neste mesmo contexto, tudo vira modelo a ser seguido, tudo é padronizado!
Neste ínterim o que é arte? O que é apreciar a obra? Será que só o que foi socialmente delegado como belo e segue padrões pré-determinados é arte? Não! Acredito que arte não se define - se questiona, os padrões socialmente difundidos enaltecem uma determinada visão para a apreciação, ao meu entender, é preciso fugir do comodismo e mostrar que a arte ultrapassa regras e barreiras. O mundo é composto por expressões artísticas.
Não basta estar bem informado sobre uma obra e seu autor, é preciso olhar e ver, analisar o contexto, contemplar e se maravilhar.
Aí entramos no filme O Sorriso de Monalisa, como um dos personagens disse: “aparentar estar feliz, não define eventualmente felicidade”, conhecer técnicas e contemplar as obras de arte conforme os padrões da década de 50 regrada por normas ditatoriais, onde a perspectiva é pré-definida, talvez seja possível. Mas hoje há regras para se apreciar uma obra?
Os padrões que envolvem a apreciação, mudam conforme o mundo muda; mas isto me incomoda, precisamos seguir regras e formas para nos contemplar diante das maravilhosas criações artísticas?
Gosto e apreciação, às vezes se confundem quando afirmamos que gostamos de uma tela e não de outra, e caímos no senso comum quando dizemos que está é mais bela que outra, por apresentar formas regradas, trabalhar de forma técnica com luz e sombra e outra ser disforme, com “manchas e borrões”.
A tentativa da professora de História da Arte no filme foi sair daquele padrão difundido ano após ano e ver outras obras, de autores desconhecidos e não renomadas, instigando-os a pensarem que muitas coisas podem ser arte, depende do olhar de cada um.
E esta tentativa nos faz pensar em subversão, uma palavra bastante “dura” em plena década de 50, gerir a mudança, no pós-guerra é um trabalho árduo, pois o movimento midiático trabalhou em prol de fazer com que a “mulher” que tinha saído do lar para sustentar a família retorna-se e devolve-se seu trabalho ao esposo. Este também não é um movimento de retrocesso e submissão?
A guerra retirou o “homem” do lar e as mulheres tiveram que deixar seus filhos e realizar a manutenção social, quando a guerra acabou cada um deveria voltar a cumprir seus “papéis”. Isto não é tão simples, quando a mulher percebe que pode agir, interagir e transformar não necessita estar submissa aos homens.
Mas a educação, tentava manter um status quo, ultrapassado e arraigado a uma gama de informações impróprias e descoladas das mudanças que começam se ver presentes na sociedade. Pensando naquela professora dita “subversiva” tentar fazer o aluno pensar, compreender e agir a partir de suas inquietações e impressões é pôr em dúvida o modelo educacional vigente.
E a solução encontrada pela escola, não é bastante comum para nós? Quem tenta buscar a mudança, sair do estático e delegado ano após ano, incomoda, esta fora das regras e padrões estabelecidos?
Vivemos sob regras e padrões, será que a arte precisa se aprisionar a estes também?