sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NASCIDOS EM BORDÉIS

A arte geralmente é produzida por artistas que criaram seu nome, apresentam uma forma própria para representar o social, o filme/documentário “Nascidos em Bordéis”, muda um pouco este foco, os artistas são as crianças que delegam um olhar de sensibilidade para a sua realidade, cada um usa uma lente para se ver.
Uma das mais difíceis ações humanas é aprender a ver, despir-se dos preconceitos, retirar regras e padrões culturais e morais que tangem a nossa visão. Muitas vezes olhamos e não enxergamos. Nesta era de instabilidades e pós-modernidade o stress acarreta tantas preocupações que inibem a sensibilidade tornando-a mascarada e aprisionada em concepções pré-determinadas.
Mas é possível ensinar a olhar? Acredito que é possível aprender a ver despindo-se de pré-conceitos e regras, tirando à lógica midiática que define nossos gostos, é preciso procurar tornar o olhar “cru”.
Mas nossa intangível personalidade cria regras sobre o que gostamos, o que consideramos belo, e este “gostar” constrói-se nas três esferas: pessoal, social e cultural. A partir destas percepções acabamos considerando algo belo, bonito. Cabe pensar, artisticamente o que se define sobre belo? Não sei, espero aprender de maneira calma e paulatina.
Voltando ao valor antropológico que o filme traz, ver o diferente nos incomoda, os padrões culturais que nos fazem criar pré-conceitos estão tão arraigados a nossa concepção de vida, de escola, que são difundidos ano após ano, que ao nos depararmos com uma cultura bastante diferente, onde os recursos materiais são ínfimos, a vida transcorre de forma quase pré-determinada, onde muitos não possuem quase nada, nem acesso, nem possibilidades para sair de onde estão. Isto nos instiga a sair da esfera do comodismo, desta zona de conforto e correr atrás da transformação, mudar não basta é preciso refletir sobre as concepções que temos, ir além, desconstruir para construir.
A vida social desenvolve-se a partir de modelos vigentes e transformar as concepções que as pessoas possuem é ousado, pois nem todo mundo está disposto a refletir sobre sua vida e suas influências sociais com outros olhos.
Acredito que a fotógrafa queria ajudar aquelas crianças a perceberem sua realidade a partir de uma outra ótica, retratando o que consideravam importante para elas; ao ver a sujeira, as condições de vida precária, um menino se deu por conta da “imundice” em que viviam comparando-a com outros povos.
Ver o problema, refletir sobre ele, tentar mudar sua vida, buscar alternativas de se encontrar socialmente delega muita ousadia, pois somos, e aquelas crianças são, enquadradas em padrões por morarem em determinado lugar, ou por seus pais terem uma ou outra profissão, muitas vezes, não importa quem somos ou que estamos buscando o que vale é o que a sociedade já determinou.
Num olhar artístico, retratar uma sociedade excluída e deixada à margem; através de um olhar infantil repleto de sensibilidade, emoção, sonhos e desejos, é tentar ampliar o horizonte que estas crianças vivem e mostrar ao mundo que comodismo e assistencialismo não ajudam para mudar esta realidade é preciso trabalhar numa esfera mais complexa e dura agir e sensibilizar. A cada foto havia uma razão subjetiva ao fotógrafo e outra ao observador. Ir a fundo dos problemas sociais é acreditar que a transformação ainda é possível, mesmo que difícil e vagarosa.
Precisamos parar com a lógica de encontrar culpados para os problemas. Se olharmos para as nossas próprias atitudes e tentarmos mudar este paradigma da acomodação, não precisamos de culpados, necessitamos sim, de colaboradores reais.
Dar a oportunidade, mesmo que seja por um tempo ínfimo e uma quantidade mínima de crianças, já é um começo, muitas leis são criadas, sancionadas e impressas, mas não são cumpridas. Que direitos humanos são esses? Que crianças não tem acesso à educação? Precisam trabalhar sem questionar? Que se submetem ao que os modelos sociais definem? Se você é pobre, negro, mulher, homossexual, não tem os mesmos direitos que outros de classe média, brancos, homens? Acredito que houve uma inversão de papéis e valores sociais bastante complexa, onde se retirou a responsabilidade de quem é e passou-se a julgar que tudo é problema do Estado, das políticas públicas. A exclusão continua, porém mascarar com uma nova roupagem não adiante, o problema está aí e ninguém quer se responsabilizar.
Nós, educadores utópicos, como Zana a fotógrafa, queremos transformar estas realidades. Mas será que realmente estamos tendo nosso papel político, temos voz e vez em nossa ação crítica, estamos sendo subversivos em favor de uma mudança qualitativa, ou apenas estamos vestindo nova roupagem com belas palavras e poucas ações?
Neste filme vê-se a produção de um autorretrato como forma de autoconsciência, olhar para si é difícil, pois neste movimento se percebe o quão é belo viver, como existem coisas maravilhosas ao nosso redor tão próximas e ao mesmo tempo tão longe para ser alcançadas, historicamente as injustiças mantiveram-se e mantêm-se. Este é o mesmo movimento que fazemos ao nos pensar como professores do século XXI.

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