quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cinema,Vídeo, Godard de Phillipe Dubois - uma leitura

            Dubois nos põe diante de uma ousada reflexão ao afirmar que o “vídeo é de fato um estado do olhar: uma forma que pensa”. Mas quem pensa? A imagem ou o espectador? Pasmos ou questionadores, nós ficamos diante de uma máquina que nos leva a pensar, questionar, duvidar. Retomando o texto escrito por Machado na apresentação da obra, há um questionamento inicial que elenca transformações profundas de caráter tecnológico, estético e ontológico. Será que estamos vivendo uma nova era de transformações e mutações sociais, efêmeras e voláteis que tem o vídeo como aliado para seu registro?
            Analisemos então os escritos de Machado, ao afirmar: “o vídeo se apresenta de forma múltipla, variável, instável, complexa, ocorrendo numa variedade infinita de manifestações”, o autor ainda argumenta que as experiências videográficas são efêmeras, acontecem ao vivo num tempo e num espaço específico que só podem ser resgatadas através da forma de documentação quando existentes. Esta variedade de utilizações do vídeo é que nos faz dialogar com as possibilidades e as mudanças que foram surgindo com o advento das tecnologias. No início o cinema clássico trabalhava com a justaposição de imagens, a vanguarda ampliou este campo ao valer-se da fotomontagem, na contemporaneidade o cinema deu espaço para o vídeo, não como uma obra pronta e intelectualmente acabada e sim com dois vieses distintos de análise, citados por Machado e corroborados na obra de Dubois.
            Segundo o autor o vídeo nasce e se desenvolve numa dupla direção, conforme seus escritos: “chamamos de vídeo um conjunto de obras semelhantes às do cinema e da televisão, roteirizadas, gravadas com câmeras, posteriormente editadas e que, ao final do processo são dadas a ver ao espectador numa tela grande ou pequena”, nesta colocação compreendemos o vídeo como uma extensão do cinema, que apresenta em sua estrutura um enredo, cenas, imagens que deverão ser apresentadas ao público e compreendidas por ele, numa sequência de fatos que nos fazem interessar-se pelo que está passando e ficar assistindo estes eventos. Por outro lado, “vídeo pode ser também um dispositivo: um evento, uma instalação, uma complexa cenografia de telas, objetos e carpintaria, que implicam o espectador em relação ao mesmo tempo perceptivas, físicas e ativas, abrangendo portanto muito mais do que aquilo que as telas mostram”. Nesta perspectiva o vídeo não prescinde de um roteiro a ser seguido, nem de papéis a serem representados ou imagens a serem transmitidas, assume um papel menos explícito e mais complexo, nas instalações é possível ver uma inversão da lógica, ao invés de ir apreciar uma obra, o sujeito ao adentrar neste espaço torna-se co-participe do trabalho artístico, neste processo de deslocamento é preciso pensar o vídeo com outra função, não mais apenas uma maneira de registrar a volatilidade dos acontecimentos, assim Dubois sugere que pensamos o vídeo como um estado e não como um produto. Pensar na forma de estado é articular com as inúmeras possibilidades de interpretações, transformações e criações, enquanto que pensar como produto é compreender sua construção formal e acabada.
            Pensar como estado é pensar a imagem que não pode ser desvinculada do dispositivo para o qual foi criada, para Dubois suas formas de apresentação são consideradas instalações já que funcionam além da imagem “invocando também a multiplicidade, a velocidade, o espaço tempo saturado, móvel e flutuante, além de se impor como uma presença, um estado, mais que como um objeto de contemplação”.
            A primeira vista torna-se difícil pensar na imagem vídeo como uma instalação que vai se construindo e se estruturando conforme o espaço tempo para o qual foi projetado, o vídeo é o espaço da fragmentação, da edição, do descentramento, do desequilíbrio, da velocidade, da dissolução do sujeito, da abstração, da pós-modernidade, na qual todas as verdades são questionadas, onde os ensinamentos são postos a prova de sua efetiva utilidade, na qual é permitido intercalar materiais múltiplos na busca da expressividade. Através do vídeo nos colocamos diante de uma nova linguagem, uma nova estética, “o vídeo poderia ser encarado já não mais como uma maneira de registrar e narrar, mas como um pensamento, um modo de pensar”.
            Aqui podemos fazer uma analogia comparando o vídeo com as obras surrealistas, na qual é dada uma ênfase em determinados aspectos, no suspense dos movimentos, no amortecimento de uma narrativa que é contemplada pelas indagações que o vídeo nos propõe, imagens que se sobrepõe, que do figurativo tornam-se abstratas, trabalha-se a imagem na superficialidade, na mudança, que não permite ao espectador aprofundar sua análise sobre o que está sendo apresentado, há um rompimento da narrativa linear, na busca de um metadiscurso, é visualizar de maneira diferente, pensar o vídeo como estado e não como produto.
            Nesta linha de pensamento, valemo-nos da fala dois filósofos, citados na apresentação deste livro e suas interpretações sobre cinema e ensaio: para Jacques Aumont o cinema é uma forma de pensamento: ele nos fala a respeito de ideias, emoções e afetos através de um discurso de imagens e sons tão densos quanto o discurso de palavras. Aqui abre-se o leque interpretativo ao citar que não se faz a narrativa apenas por palavras, existem outros discursos que permeiam o imaginário humano e um deles, pode ser, a imagem cinematográfica e/ou videográfica.
            Por outro lado, Theodor Adorno, expõe sobre a noção de um ensaio não ser mais expresso apenas por palavras e sim, por cenas, imagens, movimentos, ele diz: “denominamos ensaio certa modalidade de escrita, que atributos amiúdes considerados ‘literários’ como a subjetividade do enfoque, a eloquência da linguagem e a liberdade do pensamento”, todas estas colocações podem adquirir um novo estágio de pensamento ao sair da concretude do papel e trabalhar na volatilidade das imagens.
            Na introdução deste mesmo livro, escrita por Dubois, ele esclarece a questão central do mesmo, que busca trabalhar o que é o vídeo em relação a sua natureza de imagem e de seu lugar no mundo das produções visuais, e sua relação com o cinema. Trata-se de uma tarefa ousada que desafia o pensamento moderno acomodado, ao refletir que um estilo artístico profano, que muda os padrões que estavam sendo desenvolvidos em arte, e põe o espectador como interventor da obra e observador ativo destas produções, ampliando o campo discursivo através das metanarrativas, pois vídeo é movimento.
            Segundo ele só podemos pensar o vídeo como um estado, estado de olhar e do visível, maneira de ser dar imagens. O vídeo apresenta-se como um problema numa forma genérica de imagem e de pensamento, não existe uma especificidade do vídeo, trata-se de um estado imagem, uma forma que pensa, ele pensa ou permite pensar sobre o que as imagens fazem ou são, “quer pensemos como dispositivo, quer como imagem, o vídeo se revela primeiro como um não-objeto”.
            Em meio a esta complexidade sobre o que é ou não um vídeo, podemos dizer que através desta tecnologia de registro pode-se pensar, criticar e expor diferentes modos e percepções sociais, na qual o sujeito observador tornou ator, questionador e indagador, mas afinal de contas o que é um vídeo? Sentimento, expressão, exposição, indagação, ensaio? Não há definições, apenas formas de utilizar para demonstrar, representar ou questionar a vida que temos, são formas de linguagem que interpretam signos e significados sociais, porém esta linguagem mudou-se além de palavras escritas e verbais, utiliza simbologias através das imagens ou não-imagens (aquelas que são trabalhadas e mudam o que eram originalmente), ou enquadram nossa expressão de assustados ao nos vermos como o autor de obra e não o mero espectador.
 Pensar em vídeo enquanto estado, é dar-se conta de que a vida fragmentada e mutável deste mundo nos questiona incansavelmente sobre o que pensamos, sentimos, almejamos e acreditamos. O vídeo e a nova concepção artística, tornou a vida humana mais complexa, não há mais assimilação pacífica é preciso tornar-se reflexivo e indagador. Afinal de contas, a montagem ontológica da imagem, os novos procedimentos de justaposição, manipulação da imagem, construção de vídeos e indagações realísticas, não são como processos textuais, no qual o bicho homem busca expressar seu constante desejo de liberdade, inerente a sua espécie?

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